quarta-feira, fevereiro 16, 2005

SIC TRANSIT GLORIA MUNDI

Segunda passada lá estava eu, esta massa amorfa antediluviana, impolutamente distraído, numa destas terríveis crises de tédio de Verão porto-alegrense, como sempre. Em plena crise, eis que recebo um telefonema noturno. Pergunto para a telefonista quem é. Meio atrapalhada, ela responde: é do Estado do Vaticano. Opa! Será que é ele? Pois não é que era mesmo? Era o meu velho amigo Karol Vojtila, Papa João Paulo II para os íntimos. "O Papa, a uma hora destas? O que deve ser desta vez?", indaguei. Pego o fone. Me cumprimentou com voz sumida. De súbito, lascou:
— Meu caro Marcelo, tu achas que devo renunciar? — pergunta.
Eis que aí está. Para quem não conhece o Sumo Pontífice em seus meandros, uma das suas grandes marcas registradas está em fazer para mim estas típicas perguntas diretas e secas para interlocutores incautos. Ao invés de ir "de vereda", como se diz lá na Campanha Gaúcha e debater, ele perguntava, agudo como um florete.
— Meu caro Papa, na verdade, na verdade vos digo que não estou em condições de responder. — respondi. — Aliás, não sei sequer o que se passa comigo ultimamente! Você sabe como são as coisas. Ser cristão hoje em dia não é fácil! É muita promessa para santo, muita conta para pagar. Não há joelho que resista! A gente deve até para santo!
Ficou surpreso:
— Mas como? — retrucou. — Então tu achas que não devo renunciar?
(Um parêntese: eu insisti que me faltavam elementos para para deliberar sobre o meu próprio destino, imagine o dele!)
Com a voz embargada (devido naturalmente à idade provecta e aos remédios), e falando no seu conhecido Português "papal", o Papa disse:
— Então tu és a favor da minha saída? — teimou.
— Não, não, não, quatro vezes não, não é isso — expliquei — Olha, acho que o senhor não está entendendo a minha condição de católico e, por conta disso, acho que devemos parar por aqui, meu caro Papa.
E desligou.
Minutos depois, outra ligação, mas a mesma telefonista: era o Papa. De novo.
— Alô, Marcelo — disse o Papa, mais animado. — Tu achas que devo revelar o terceiro mistério do Fátima?
Desta vez, fiquei admirado. O quê?
— Mas Papa — retruquei, muito preocupado — Mas senhor já revelou!
— Revelei? Achei que não tinha revelado ainda o mistério de Lourdes!
— Fatima!
— É mesmo! — riu ele. É que eu tinha me esquecido.
— Poxa, já faz uns bons quatro anos. Pô, a Irmã Lúcia também se foi, não é? Que pena, não?
— Que coisa não é, é a vida. — emendou, também meio consternado. — Mas bom, Marcelo, (falava com a voz calma, mas titubeante) Então eu acho que eu não vou renunciar. As pessoas precisam cada vez mais e sempre de mim, mas eu estou cada vez mais fraco. A minha fé é a única corda que me enlaça à este mundo tão complicado. Depois de quase três décadas de Pontificado, parece que nada mudou, tudo está cada vez pior. Meu coração está triste até a morte. Mas devo resistir! Força sempre!
— Meu caro João Paulo, você é o líder. — respondi. — Portanto, decida. — Mas o que for fazer ou quiser fazer, faça por você mesmo, homem. Mas conte sempre conosco, os seus fiéis, em qualquer circunstância, para viver ou morrer. Estamos aí! Contudo, não sou eu quem deve dizer estas coisas, se deve ficar ou não. It ain't me, babe.
E tentei ajuntar:
— Cada um tem a sua pedra para carregar. É como como aquele versículo: "Pai, se queres, passa de mim este cálice, todavia, não se faça a minha vontade, senão a sua", etc.
— Sua?
— Minha não, sua!
— Minha?
— A nossa, né, Papa! De todo mundo!
— OK! — riu o Papa, mais aliviado.
— Meu caro Papa, nós estamos torcendo pelo senhor. Desculpe o mal jeito, que eu não sei nunca o que dizer nesses momentos. Mas o que importa é a ajuda dos seus fiéis perante Deus para dar continuidade à missão que Cristo confiou ao senhor...
— Muito bonito, Marcelo. — retrucou João Paulo. — Onde você leu isso? Na Bíblia?
— Não, foi o senhor quem disse isso! — respondi. — Tá no Correio de domingo.
— Ah.
Depois de um curto silêncio, antes de se despedir e desligar, disse:
— Então, reze por mim, meu filho. Tô precisando!
Mais refeito, contudo, não resistiu:
— OK. Bom, mudando de assunto, como vão os "Galáticos gaudérios"?
— Pô, Papa, até o senhor? Vão mal, Papa. Muito mal. Não ganham de ninguém. Rezai por nós e eles, também. Mas, afinal de contas, é preciso perdoar. Eles não sabem o que fazem.

Este texto foi escrito por Marcelo Xavier

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